Nas duas unidades anteriores, você aprendeu que carga elétrica, campo elétrico e potencial elétrico são os conceitos mais importantes da eletrostática. Veremos aqui que eles são também os mais importantes da eletrodinâmica, porque deles decorrem os fenômenos eletrodinâmicos. A corrente elétrica, que talvez seja o conceito eletrodinâmico mais presente em nossa memória é consequência do movimento de cargas elétricas. E esse movimento é provocado pela ação de campos elétricos e pela existência de diferenças de potenciais ao longo do circuito elétrico. Esse será o tema dessa terceira unidade.
Mas, antes de abordarmos os detalhes matemáticos envolvendo os conceitos da eletrodinâmica, será conveniente abordarmos o tema sob um ponto de vista mais geral e qualitativo. Entendemos que essa abordagem facilitará a aprendizagem conceitual no que se refere ao tratamento matemático de circuitos simples, contendo uma pilha ou uma fonte de tensão, ligada a um ou mais resistores, ligados em série ou em paralelo, como ilustram as figuras abaixo
Como se vê, tanto a bateria, ou fonte de voltagem, como os resistores são graficamente representados de diferentes formas. Também é importante entender que uma lâmpada incandescente é essencialmente um resistor. Ou seja, a luz emitida por uma lâmpada incandescente é na verdade emitida pelo resistor, ou filamento que há no interior da lâmpada. A luz é emitida porque a corrente que circula no filamento o aquece ao ponto de fazê-lo emitir luz. Veremos isso mais adiante.
Mas, o que é mesmo a corrente elétrica? Já temos a primeira resposta: é o movimento de cargas elétricas. Mas, que cargas elétricas? Nos resistores que vamos abordar aqui, as cargas elétricas são transportadas pelos elétrons. Em soluções líquidas, pode haver corrente de elétrons, bem como de íons positivos, mas isso não será abordado aqui.
Mas, como se dá o processo que resulta na corrente elétrica? Bem, essa não é uma questão fácil de responder. Se você já leu algum livro didático sobre isso, talvez tenha em mente as seguintes hipóteses:
As duas primeiras hipóteses têm algum fundo de verdade, mas não descrevem tudo o que está por trás do fenômeno da passagem de uma corrente elétrica através de um fio condutor. A terceira hipótese, muito frequente em livros didáticos, está absolutamente equivocada. Os processos de fluxo eletrônico e de fluxo d’água são completamente diferentes. Essa analogia entre os dois circuitos leva os alunos a uma concepção errada da corrente elétrica. Na ilustração a seguir, o circuito hidráulico da esquerda é comparado com o circuito elétrico à direita, com os seguintes símbolos representando dispositivos análogos:
Quais são as dificuldades impostas por essa analogia? A analogia enfatiza o que se chama de corrente convencional, que tem o sentido contrário ao da corrente real. Isso dificulta a compreensão do que seja o fluxo de elétrons. Na imagem, a corrente que sai do polo positivo entra no polo negativo. Isso sugere que no caso da corrente real, o elétron que sai do polo negativo chega ao polo positivo. Isso não é verdade. Ou seja, enquanto no circuito hidráulico uma molécula de água que sai de B realmente chega em A, no circuito elétrico, um elétron que sai do polo negativo jamais chegará ao polo positivo.
A ideia equivocada que surge dessa analogia, é que a corrente elétrica é um fluxo contínuo de elétrons, como se eles saíssem de um polo da bateria e chegasse ao outro polo. No processo de corrente elétrica os elétrons movem-se em um curto espaço no interior do condutor. Mais adiante você vai estudar os detalhes do processo da corrente elétrica, mas é interessante adiantarmos alguns aspectos qualitativos. Por exemplo, há uma questão básica que precisa ser bem entendida: exatamente o que faz a corrente elétrica fluir? Uma resposta a essa questão tem a ver com o papel desempenhado pelas cargas superficiais nos condutores, que servem de guia para a corrente elétrica. Essa abordagem não é apresentada em nenhum dos livros didáticos que conhecemos. Ela é apresentada em alguns artigos científicos, que usaremos ao longo desta unidade.
Como funciona um circuito elétrico? Bem, vejamos o circuito mais simples. Uma bateria ligada a uma chave e a uma resistência, como uma lâmpada incandescente. A corrente surge quando a chave é ligada.
O que ocorre quando a chave é ligada? Para responder essa questão, precisamos saber como funciona uma bateria. Na verdade, não precisamos saber os detalhes do funcionamento, até porque existem diferentes tipos de baterias, com diferentes mecanismos. Basta sabermos que qualquer que seja o mecanismo, a função sempre será a acumulação de cargas positi- vas em um terminal, a acumulação de cargas negativas no terminal oposto.
Essas cargas geram campos elétricos, mas se a bateria estiver desligada, esses campos não apresentam efeitos visíveis. Ao fechar a chave, a bateria será ligada ao circuito, e nesse momento, os campos elétricos começam a atuar nas cargas do fio condutor próximas aos terminais. Como nos condutores apenas os elétrons estão livres para se moverem, serão eles os atingidos pelos campos elétricos.
Nas unidades anteriores você aprendeu que o campo elétrico de uma carga varia com o quadrado da distância. Ou seja, quanto mais distante, menor o valor do campo elétrico. Portanto, esse efeito do campo elétrico das cargas varia inversamente ao quadrado da distância. Depois de um curto intervalo de tempo após a bateria ser ligada ao circuito, os elétrons livres migram para as superfícies dos condutores metálicos, formando uma estrutura de cargas superficiais. Mais adiante veremos detalhadamente como os campos eletrostáticos gerados por essas cargas superficiais são responsáveis pela circulação de corrente elétrica no interior dos condutores.
O que acontece é que o campo de um elétron mexe com os elétrons vizi- nhos, e esses vizinhos mexem com os elétrons mais adiante, até que esse mexe-mexe passa por todo o circuito e chega ao polo positivo. Quando esse movimento eletrônico ocorre no filamento da lâmpada, ele o aquece tanto ao ponto de emitir luz.
Portanto, os elétrons que no início estavam perto do polo negativo, ficam por lá. Eles apenas iniciam o mexe-mexe. O sinal que provoca esse mexe-mexe é transmitido à velocidade da luz. Atenção: o sinal é que é transmitido à velocidade da luz. Os elétrons se mexem com baixíssima velocidade. Em suma, não é o elétron que sai do polo negativo e eventualmente chega ao polo positivo o responsável pela corrente elétrica. A corrente elétrica é consequência de campos elétricos criados pelas cargas superficiais e pela transmissão quase instantânea das variações de campos elétricos no interior do condutor.
A corrente elétrica faz os elétrons se movimentarem ao longo do circuito, mesmo que cada um percorra um espaço pequeno, milhares de elétrons estão em constante movimento no interior dos condutores.
Então, o que ocorre no interior dos condutores quando os elétrons se movimentam? Você sabe qualquer material é composto de átomos, e que estes são constituídos de um núcleo com carga positiva, em volta do qual orbitam elétrons. Então, tem-se uma carga positiva blindada por uma esfera de carga negativa.
Quando um elétron em movimento se aproxima de um átomo, ele é repe lido pela carga negativa ligada ao núcleo. O resultado da repulsão é o espalha mento do elétron, em direções aleatórias, de modo que muitos são jogados para trás. Mas, o campo elétrico volta a impulsioná-lo para a frente e ele vai nova mente sofrer outros espalhamentos.
Esses choques entre os elétrons e a camada de cargas negativas (que também são elétrons) aquece o condutor. Quando o condutor atinge alta temperatura, ele emite luz. É fácil observar um metal emi tindo luz, basta colocá-lo num braseiro. Ele primeiro fica vermelho, ou seja, emite luz vermelha, e termina ficando branco, emi tindo todas as faixas da luz visível.
Esse processo de espalhamento depende de cada metal, e o resultado é medido por uma propriedade conhecida como resistência elétrica. Então, tem-se a corrente elétrica que depende da bateria, ou seja, da voltagem fornecida pela bateria, e também depende da resistência do material do qual é feito o condutor. A voltagem, a corrente elétrica e a resistência estão relacionada pela lei de Ohm, que você vai estudar nesta unidade.